sábado, 3 de novembro de 2012

Lídia



Entrou no salão com passos vacilantes, não queria estar ali, não gostava dessas ocasiões deprimentes, mas sabia que era preciso seguir em frente, devia isso à prima, só não sabia como deveria proceder nessas ocasiões. Nunca precisara consolar ninguém, a única vez em que fora a um velório, era ela a ser consolada por todos e nunca mais se esquecera o quanto havia sido repulsivo.
Divisou a prima próxima ao ataúde amparada por alguns familiares e quis voltar antes que fosse notada pelos presentes, mas antes que pudesse se voltar, os olhos dela e os de Lídia se encontraram e havia tanto sentimento que se viu paralisada encarando-os, com um gesto de mão a outra a chamou para junto de si. Seguiu até ela com passos firmes e se viu arrebatada por um abraço sentido, cheio de gratidão, por mais que quisesse fugir, sentia que fizera bem em ter ido até lá. Lídia  a soltou e deitou a cabeça em seu ombro, segurava tão firme sua mão que a deixou assustada, sabia que tudo que ela queria era um porto seguro para atracar, mas tinha medo de não corresponder como devia as expectativas. Durante toda a cerimônia se viu arrastada pela prima para todos os lugares o que a deixava cada vez mais desconfortável. Mas como recusar apoio nesse momento? A dor dela era um pouco sua também, mas para a prima isso era tão novo e tão intenso que assustava, Lídia nunca havia perdido alguém que amava para a vida, muito menos para a morte, com certeza se perguntava se algum dia a dor diminuiria e ela poderia voltar a respirar com tranquilidade. O pior de tudo era continuar vivendo quando o que realmente se quer é fazer uma barganha a dona morte e trocar sua vida pela do outro que se foi. Todos chegam para te dizer que a vida continua e que é preciso seguir em frente, mas, como falar é mais fácil que fazer, todo mundo pode dizer o que quiser. Com o passar do tempo Lídia se reencontraria e só ai seguiria em frente sem precisar que ninguém lhe ordenasse voltar à vida. Agora sabia que Lídia encontrara nela a semelhante, que compreendia tudo, que não criticaria seus atos ou ordenaria alguma coisa, somente seguraria sua mão e guardaria esse mistério como um cúmplice de um crime.

domingo, 12 de agosto de 2012

Branca como a neve




Era uma vez um rei que vivia muito feliz e uma rainha que só não era tão feliz porque sentia de vez em quando uma tristeza profunda por ainda não ter tido um filho para alegrar ainda mais os seus dias. Tinha noites em que olhava através da janela de ébano a neve branca cair lá fora e sentia muita solidão, então ela pensava em o quão feliz seria se tivesse a graça de ter uma filha bela como à neve, com cabelos negros como o ébano e lábios vermelhos e veludosos como a pétala de uma rosa. Viveu nesse sofrimento por quinze anos e eis que quando menos esperou, concebeu seu fruto tão desejado.
Deu a luz a uma menina branca como a neve de lábios rosados e cabelos negros a quem batizou de Branca de Neve, entretanto desfrutou dessa benção por apenas um dia. A rainha pereceu para a tristeza do rei que ficara tão órfão quanto à filha. O luto durou sete anos, e sete anos Branca viveu sem uma mãe ou um pai para guiar seus atos, cresceu livre como um pássaro e selvagem como um lobo, o que aprendeu foi graças aos criados a quem atazanava dia após dia, um a um. Foi criada como filha pela cozinheira e por seu marido o lenhador real com quem passava os dias a cortar lenha na floresta.
Era curiosa e rebelde, o que cedo ou tarde chamaria a atenção do pai que diante de sua dor vivera cego a tudo mais que se passava. Foram os convivas do castelo, nobres e encostados que lhe chamaram a atenção para isso, a princesa precisava ser corrigida enquanto era cedo, ou o reino seria perdido para sempre nas mãos da criatura. Diante da pressão para que se casasse e desse uma mãe decente a filha, o rei desposou uma prima distante confiando no fato de que correriam menos riscos se ficasse tudo em família.
O rei morreu uma semana depois, segundo o primeiro ministro, de tanta tristeza. Branca sequer chorou sua morte, para ela, o rei não passava de um estranho, assim como a madrasta. Pouco depois do enterro se enfiou nas dependências dos empregados para ser esquecida por longos dez anos. E teria continuado no esquecimento se não fosse à cobiça da nobreza pela sucessão, já que Branca estava em idade de se casar, e o reino precisava de um sucessor legitimo. Quando questionada, a rainha não teve outra saída a não ser mandar buscar a herdeira na floresta onde passava os dias com o lenhador. A esperança dela era que a selvageria da princesa botasse para correr todos os pretendentes, mas para sua surpresa, Branca tinha uma beleza invejável mesmo disfarçada de plebéia. Sentiu tanta inveja daquela jovem sortuda que não se conformou enquanto não concebeu um plano para acabar com a concorrência.
Mandou chamar o caçador real e lhe ordenou que matasse a princesa no dia seguinte quando ela estivesse distraída com o lenhador. Apesar de gostar muito da jovem, não teve escolha, era a sua vida ou a dela. Muniu-se de coragem e foi à caça no dia seguinte, não demorou a encontrar seu rastro, estava colhendo lenha sozinha, a ocasião não poderia ser melhor, empunhou o arco, armou a flecha e mirou bem no coração, mas enquanto esperava uma boa ocasião para desferir a flecha, suas mãos fraquejaram, a princesa era bela demais para morrer, doía tanto desperdício. Hesitou uma, duas vezes e acabou desistindo, se dispôs a voltar e encarar as consequências, mas antes que pudesse partir, Branca o viu e o atacou com um tronco de madeira levando-o ao desmaio. Ao acordar, se viu amarrado em uma árvore sob a mira de sua própria flecha, o sangue que escorrera do ferimento estava seco em seu rosto e a cabeça doía muito. Piscou varias vezes até conseguir divisar o contorno de seu algoz e a surpresa ao reconhecê-la foi tamanha que o levou a gargalhada.
- Se não calar a boca, te espeto bem no coração!
O caçador parou de rir imediatamente e a encarou, era linda, mas era o diabo de bruta, parecia mais filha do lenhador do que do rei. Ela o fez confessar tudo que a rainha planejara contra ela e depois o libertou, mas com pena de saber que seria condenado a morte por ter falhado, matou um porco do mato e lhe entregou o coração para que provasse a rainha que cumprira a missão. Só depois de libertá-lo e deixá-lo partir é que percebeu que estava encrencada, se fora dada como morta, não mais poderia aparecer no castelo, então precisava encontrar outro lugar para morar. Caminhou sem rumo por dias e noites até que se viu as margens da floresta proibida, se entrasse nela, poderia esperar de tudo, até sua sentença de morte cumprida. Contudo, era tarde demais para voltar atrás, então, tremendo de medo, entrou na escuridão em plena luz do dia, andou as cegas, aflita por não poder divisar nada em seu caminho, mas por uma espécie de milagre, sua audição estava mais aguçada, ouvia até o rastejar das minhocas na terra fofa o que ainda a manteve equilibrada. Após mais de três horas de caminhada, ouviu um uivo que arrepiou seu corpo dos pés a cabeça, olhou em volta e não viu nada, apenas a escuridão. Continuou trêmula até ouvir outra vez o uivo ainda mais perto, aumentou os passos e apurou os ouvidos, sentiu que algo a seguiu, podia ouvir a respiração da criatura logo atrás de si, os passos estavam cada vez mais próximos, sem pensar duas vezes, correu o mais rápido que pode sendo açoitada pelas árvores e tropeçando nos galhos úmidos do chão, apesar disso o bicho saltou por cima dela e parou em sua frente com olhos vermelhos como fogo encarando-a e mostrando os dentes ferozes, era um enorme lobo e parecia faminto. Encolheu-se fechando os olhos, com o coração saltando pela garganta e esperou o bote que não veio, abriu os olhos e viu o animal recuar amedrontado, atrás de si havia outra criatura que não lembrava nada que tivesse visto ou ouvido antes, lembrava os homens da aldeia, mas tinha presas e olhos vermelhos como o do lobo. O homem encarava o lobo que recuava devagar, Branca não quis esperar para ver no que ia dar aquele encontro e correu como louca o mais rápido que pode em direção oposta a deles. Porém, não conseguiu ir muito longe, trombou de frente com uma rocha que não viu por causa do escuro e caiu desacordada.

sábado, 4 de agosto de 2012

O Retorno ao Campo (Fragmento do capitulo do romance "Ulisses")


... Luiza estava ajeitando os laços da roupa em frente ao espelho quando Netinho entrou no quarto e começou a puxá-la apressado e agitado demais para dizer qualquer coisa, resmungando apenas um “vem ver” quando era interrogado, guiou-a para a cozinha do casarão dos bisavós e mostrou um cesto com filhotes de cães sem raça definida, graciosos e peludos. Ele estava encantado com os filhotinhos, nunca vira um antes, os olhos brilhavam de expectativa.
Ela lembrou-se do dia em que Ulisses e Penélope chegaram da mesma forma naquele mesmo ambiente, era como se a historia estivesse se repetindo. Ela e Rosa quiseram tanto os felinos, a ponto de implorar para ficar com eles, no fim acabaram conseguindo, mas com o filho seria diferente, por mais que ele chorasse e implorasse, jamais poderia ficar com o cãozinho. Tivera que abrir mão do gato pelo bem dele, não colocaria outro em seu lugar.
Netinho chorou e implorou, mas a mãe estava irredutível. Ele não entendia que o pêlo do animal representava um perigo para sua saúde, e por mais que a mãe argumentasse, ele tinha um contra argumento convincente. Os pais e os avós também argumentaram a favor do pequeno, mas ela foi obrigada a desobedecê-los dessa vez, há exatamente três anos foi induzida a doar Ulisses pelo bem dele e era pelo bem dele que estava recusando o filhote agora. Netinho tinha saúde frágil e exigia muitos cuidados, viajara pela primeira vez para o campo com milhares de recomendações do médico e cada soluço deixava-os alerta.
O pequeno foi às lágrimas de fato diante da negativa, aconchegou-se no corpo da mãe e soluçou aos prantos deixando Luiza constrangida. “Porque você puxou ao seu pai, tão suscetível meu bem? Antes tivesse saído a mim, forte e com brios.” Ele não entendeu as palavras da mãe e apenas soluçou: “Eu o quero mamãe, queria meu amiguinho pra mim...
Diante do sofrimento real do pequeno, Aurélia pediu à filha que permitisse ao menino ficar como dono do pequeno mesmo não podendo levá-lo com ele aonde fosse, o animal seria criado na casa grande e ele só o veria nas férias quando fossem lá. Netinho aprovou a ideia, só queria ser o dono e poder dizer que tinha um amiguinho só seu. Luiza finalmente cedeu e permitiu que o filho ficasse com o bichinho levando-o do pranto ao riso. Ele era muito belo rindo, tinha as feições de Rosa, os cabelos negros e escorridos como os dela, o sorriso meigo e os olhos amendoados, talvez esse fosse o maior motivo de amá-lo tanto. Otávio só era lembrado no temperamento e na fragilidade, não que ela não amasse o marido, só não tolerava a falta de atitude dele, se fosse mais dono dos próprios atos talvez tivesse mais valor diante de seus olhos...

domingo, 29 de julho de 2012

Gárgula




De um salto parou em cima do antigo prédio da alfândega em ruínas e ficou observando a noite silenciosa. A lua cheia sobre a Barra deitava um filete de luz prata sobre o rio gerando uma belíssima paisagem, as águas moviam-se calmamente beijando o alicerce da mureta de proteção de vez em quando. Infelizmente só era possível respirar ar puro e admirar a paisagem na escuridão da noite, sua aparência disforme provocaria pânico nos seres viventes. Quando seus chifres e suas asas foram esculpidos em seu corpo no alto da torre da igreja acreditava-se que traria sorte a quem frequentasse a residência divina. Agora se pensava outra coisa, para todos era apenas um demônio e trazia má sorte. Durante o dia diversas pessoas olhavam para o alto para admirar as esculturas históricas e benziam-se ao deparar-se com sua figura esquálida desonrando as imagens santas ao seu lado. Imagine o que aconteceria se soubessem que ele ganhava vida a noite e se aventurava pelas ruínas do terminal pesqueiro, dos casarões e de tantos outros estabelecimentos esquecidos em meio as lojas e prédios modernos do atual centro da cidade.
Conhecia aquele lugar como a palma da mão, vivia ali desde que o lugar não passava de uma vilinha esquecida por todos até o inicio do século dezenove quando começaram a surgir casa e prédios em uma velocidade vertiginosa; até quando não havia mais espaço para crescer e a cidade se expandiu para outras áreas. A ele restou habitar as construções inacabadas furtivamente esperando o dia em que andaria tranquilamente outra vez, mas até agora esse dia não chegou. Sentou-se no parapeito e ficou observando alguns mendigos dormirem no passeio lá embaixo, outros cheirarem substancias desconhecidas em garrafas ou latas falando palavras desconexas, enquanto pensava em como seria sua vida se existissem outros de sua espécie para poder dividir seus dias. Os seres de baixo eram tantos que mais pareciam uma praga, enquanto que ele estava só e cansado. Poderia descer um pouco e se divertir apavorando os companheiros de noite, mas não sentia vontade, preferiu ficar até que a fome o fizesse buscar alimento nas ruínas do terminal pesqueiro.
Havia noites em que voava pelo céu iluminado com luzes artificiais buscando esperançoso um ser se não igual, que ao menos voasse como ele e que lhe contasse o que vira e vivera onde passara, mas nunca encontrou ninguém, apenas corujas urbanas desprovidas da fala. Estava cansado de buscar, sentia apenas vontade de descansar, mas seu corpo tinha necessidade de se exercitar, o que o obrigava a voar ou saltar de vez em quando para suportar as dores físicas.
Levantou, ergueu as asas atrofiadas até o alto, ensaiou uns movimentos que o ergueram alguns centímetros do telhado, mas depois voltou a aterrissar e encolheu-as, preferiu saltar até o outro lado. Caiu com estrondo no telhado do terminal para assustar os humanos adormecidos lá em baixo, ouviu um reboliço no interior do prédio e depois o silêncio outra vez, estavam todos cansados demais para se importar com os ruídos do que julgavam serem gatos de rua. 
Desceu até lá e escolheu sua vitima com cuidado, era muito exigente em questão de comida, rapidamente agarrou a vitima e cravou as presas no pescoço fazendo o sangue jorrar para dentro de sua garganta até ficar satisfeito. Depois jogou o corpo inerte no chão e voou de volta para a torre da igreja, agachou-se, encolheu a asas e olhou para o horizonte aguardando o nascer do sol.

sábado, 21 de julho de 2012

Fragmento... Sonhar?



... Elisa estava distraída olhando as estrelas no terreiro e sentindo o vento fresco balançar sua roupa quando Eliana chegou de mansinho olhando em volta atenta a todos os ruídos. Morria de medo da noite e das assombrações que o escuro guardava, mas se a irmã estava lá, estava segura. Elisa parecia não ter medo de nada, passava muita segurança em tudo, mas o que Eliana não sabia era que a irmã também sentia medo de muitas coisas. Só que seus medos eram outros.
Elisa olhou a porteira fechada e mais além a estrada deserta sonhando com o rumo que ela ia lhe dar na vida quando a percorresse. Eliana desconfiou que a irmã estivesse vendo alguma coisa sobrenatural e para não sucumbir ao impulso de sair correndo resolveu perguntar com voz trêmula de medo.
- Você está vendo alguma coisa Elisa, vem alguém lá?
- Não Liana, só estava olhando.
- Você quer sair hoje e papai não deixou?
- Não é isso. Você não entenderia...
- Você não gosta daqui né?
- Claro que eu gosto... Eu só queria conhecer qualquer lugar que não tivesse gado e capim para todo lado.
- Isso eu também queria, vamos pedir a mamãe para nos levar para a cidade amanhã?
Elisa riu da irmã que tinha uma maneira bem particular de entender as coisas, no fundo ela era tão conformada com aquela vida quanto todos os outros.
- É uma boa ideia! Quem sabe você não encontra inspiração para um conto? Eu adoraria ler um conto novo seu.
- Verdade, vou logo falar com ela.
Entrou em casa correndo e sumiu de vista, ela estava só outra vez ouvindo o cricrilar dos grilos e o canto da cigarra. Lembravam Eliana zunindo em seu ouvido com mil novidades o dia todo, se não fosse pelo amor que sentia por ela e pelos pais já teria partido sem olhar para trás...

sábado, 14 de julho de 2012

Fragmento de um romance



Aline desceu do ônibus e viu Cadu indo para casa, não perdeu a oportunidade e correu em sua direção, quando chegou perto gritou: me dê uma carona! Depois pulou nas costas dele fazendo-o perder o equilíbrio. Se já não estivesse tão acostumado com esse hábito dela, teriam caído os dois no chão. Ambos riram e ele a levou para casa ouvindo a novidade que a estava deixando tão feliz.
- Consegui o emprego! Meu primeiro emprego!
- Sabia que você ia conseguir, temos que comemorar... Começa quando?
- Segunda feira. Não vejo a hora. Nem acredito que vou poder pagar minha faculdade, comprar minhas coisas sem depender de vovó...
Cadu a colocou no chão em frente a casa onde ela morava com a avó e os dois se sentaram no banco de cimento em baixo da amendoeira onde Dona Marina passava as tardes bordando. Ela explicou como havia sido a entrevista detalhe por detalhe, falou também das cargas horárias, salário e transporte. Ele não ficou satisfeito, achou que ela merecia mais, mas como ela estava contente preferiu não desapontá-la.
Aline e Cadu se conheciam desde pequenos, quando a mãe dele se mudara para a vizinhança. Ele tinha então quatro anos e ela três, mas já era sapeca e amigável. Ela o viu uma vez e já falou com ele como se fossem velhos amigos, tinha um sorriso faceiro e falava pelos cotovelos. Ao menos essa característica conservava até hoje, parecia que tinha engolido uma vitrola quebrada, pelo menos era o que dizia Dona Marina. Segundo a avó, ela tinha tanta pressa em falar que se esqueceu de andar, andou tarde, mas falou muito cedo, por pouco não nasceu tagarelando.
Mas o que Aline tinha de espevitada, Cadu tinha de calmo, sempre fora muito tranquilo e não dera trabalho nenhum à mãe para criá-lo, um era o oposto do outro.
- Me diga agora o que você vê?
- Vejo um futuro azul claro com nuvens de algodão branquinhas aonde iremos nos deitar e descansar depois de um dia muito corrido e muito sacrificado.
- Ah, deixa de ser pessimista, vai ser gratificante também.
- Você tem razão, é muito gratificante, dá uma sensação de poder, de liberdade que só sentindo para saber. É muito bom crescer, você vai ver.
Aline sorriu vislumbrando tudo que ele disse com uma sensação de que ia amar tudo aquilo. Ia ser muito bom crescer...

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Voltar?

Só eu sei a emoção que está me invadindo ao entrar neste cantinho cinco meses depois de tê-lo abandonado, não sabia que gostava tanto daqui até agora, quando tive coragem outra vez de encará-lo,  e deixar minhas fraquezas de lado. Fui capaz de rejeitá-lo a ponto de sequer querer olhar suas linhas, tentei esquecer como era sua cara e o que suas páginas guardavam, mas pior que isso, era reconhecer o quanto  me machucava estar longe daqui que por tanto tempo foi meu melhor lugar no mundo.
Como sempre não sabemos o quanto gostamos de algo até perder, e talvez eu o tenha perdido mesmo. Não sei se vou poder voltar, não por mim, mas por estar demorando tanto esse momento de, digamos, "autoconhecimento" passar. Tudo começou exatamente ai, na necessidade de me conhecer, de descobrir o que quero de verdade na vida, de saber se devo continuar sendo quem sou ou se devo mudar meu rumo, e nessa entrou também essa "crise" da escrita. Como vou escrever se nem nisso sou boa? Como continuar se nem ao menos sei sobre o que falar e como falar? Mas só agora vejo que não devo parar, aqui é meu lugar, meu refugio, era para onde eu corria quando precisava sentir que algum lugar no mundo me pertencia, e sem isso, o vazio é maior. Não sou escritora, não sou blogueira, sou apenas uma leitora que se mete no ramo da escrita só para não esquecer o caminho de casa.
Quero voltar a ativa, não vai ser agora, nem sei quando vai ser, só sei que uma hora essa crise vai passar, e as folhas vou voltar a riscar. Mesmo que sejam frases curtas vou postar por que não quero que esse lugar venha a definhar por minha covardia, esse medo tenho que superar.
Por fim, minhas desculpas a quem me segue, visita e acompanha, pelo silêncio tão prolongado, pelo descaso e pelo medo de encarar tudo isso de frente prejudicando mesmo inconscientemente, quem me valorizou por tanto tempo.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Shangri-la


Xandhi terminou a ordenha e alisou o pêlo emaranhado da iaque, depois a liberou para pastar pela pradaria. Antes de levar o leite para dentro de casa, recolheu todo o estrume do estábulo e colocou dentro da estufa para queimar e aquecer a cabana onde moravam.
Com o leite fariam manteiga, queijo e xarope, além de beberem quente para aquecer o corpo no frio. Ela olhou o rebanho pastando ao longe feliz em saber que os animais os respeitavam e partilhavam a vida segura e tranquila de Shangri-la.
Ainda lembrava como se fosse ontem o dia que chegara ali com a avó e o irmão fugindo do horror de ver sua aldeia sendo saqueada por três Ietis das montanhas. O pai ordenara que ela salvasse a mãe, a avó e o irmão enquanto ele se juntaria aos homens da aldeia para a defender com a própria vida se fosse preciso. Mas a mãe se recusara a partir e deixar o marido sozinho sucumbindo junto com toda a aldeia. Para ela não havia escolha a não ser atender ao pedido do pai, os três partiram levando a dor e o medo como companheiros. Erraram por dias a fio na neve congelante sem rumo. Quando não parecia mais haver esperança de salvação, a aldeia sagrada apareceu no horizonte como um oásis no meio do deserto. O paraíso que tantos buscaram sem sucesso e de onde muitos fugiram por não estar preparado para alcançar a paz de espírito quase alucinante. O paraíso que surgira do desespero e da incerteza, do medo e da dor.
Ela agora sabia que Shangri-la era sagrada porque abria seus braços maternos para os que mais necessitavam e os que menos ambicionavam, fossem humanos ou não.
Inspirou enchendo os pulmões de ar gelado e expirou soltando fumaça pelo nariz, depois colocou a manta feita de pêlo de iaque em cima dos ombros, pegou os baldes de leite e foi até a cozinha. O ar quente da habitação a envolveu lembrando o colo aquecido da mãe quando era pequena. Enquanto aquecia um pouco de leite ouvia a voz grave da avó contando histórias para Jamhàal sentada na sala forrada com a lã da última tosa dos iaques da aldeia.
Quando o leite ferveu, levou três xícaras e se juntou aos dois agradecendo mentalmente pela oportunidade de ter sido escolhida para viver em Shangri-la.  

domingo, 8 de janeiro de 2012

Sozinha


Hellen sentou na cadeira próxima a janela e começou a folhear um livro que sequer conferira o titulo, sabia que não o leria, talvez nunca mais o fizesse. Ler agora não fazia mais sentido sem sua irmã por perto. Com quem discutiria sobre o quão bom era, ou sobre as falhas deixadas pelo autor? Rosana a deixara sem se importar em como ela ficaria sem sua companhia. A deixara entregue aos leões, com uma dúzia de sentimentos negativos inundando seu ser e não a perdoaria nunca por isso. Agora só sentia ódio e uma vontade louca de ver a dor estampada no rosto dos outros, era injusto que só ela sofresse enquanto o mundo ria indiferente ao seu sofrimento.
E o que mais doía, eram as lembranças. Uma música cantada em dueto arrancando risos por causa do inglês imperfeito ou da voz desafinada, uma cena duramente criticada e analisada, os passeios por ruas desconhecidas com a desculpa de um compromisso urgente só para fugir de casa por alguns minutos, os sonhos impossíveis sussurrados durante a madrugada...
Acima de tudo a certeza de nunca estar sozinha apesar de tudo. Viveriam para sempre juntas, mas Rosana se fora e agora teria de seguir em frente. Sempre em frente...