sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

John ( Continuação)

           
- Onde você o encontrou?
- Na Dudley Street em um sobrado velho e mal cuidado, a mãe havia morrido há pouco.
- Então o leve e ponha-o de volta onde achou. Vou sair e quando voltar não quero nem rastro desse infeliz aqui.
- Vai ser impossível. A essa altura já devem ter encontrado o corpo e perceberam que o bebê sumiu.
- Como você sabe disso?
- Quando eu estava no apartamento, ouvi alguém chegando, mas não se preocupe, saí antes que me vissem.
- Mais essa agora. Tome! Leve-o daqui. – Falou entregando o bebê. – Tenho que resolver um assunto. Quando eu voltar quero que tenha resolvido esse ai também.
Falou e saiu pisando firme.
Andou por algum tempo sem perceber ao certo onde estava, quando se deu conta já havia chegado à beira do Tâmisa. As lembranças surgindo como uma onda, quase poderia ver tudo acontecer em sua frente, os risos de Kathy, a vozinha fina e estridente de Jane. Sua pequena Jane...
Tanta coisa mudara desde então, a cidade crescera, as pessoas mendigavam por uma mísera vida de escravidão. Onde estava os camponeses? Onde estavam os homens de bem? 
Aquela não era mais a sua Londres, mas não a deixaria por enquanto, não enquanto existissem laços de sangue.
Enquanto pensava, sentiu uma sensação estranha, olhou em volta e só havia o silêncio da madrugada, ninguém a vista. Mas sentia que estava sendo observado por alguém ou algo, havia um sinal de alerta em seu interior. Achou melhor voltar para casa.
Saiu fingindo que não havia percebido nada, quem o estava observando, não deveria ser confiável, melhor não arriscar. Não estava curioso de quem se trataria. Se não fosse o incidente que ocorreria, não teria descoberto seu perseguidor.
Enquanto seguia pela Pall Mall Street, um vulto negro saltou em sua direção como um gato, aterrissou diante de si e bloqueou seu caminho.
- Onde pensa que vai forasteiro? – O desconhecido perguntou em tom ameaçador. Tinha umas expressões grosseiras, selvagens, lembrava um grande rato sujo e desgrenhado. Era um tanto assustador, certamente Mary-ann entraria em pânico diante dele. – Não gostamos de intrusos em nossa região.
- Não sou forasteiro. Sou cidadão desta terra, nasci aqui em Westminster. Quem lhe deu o direito de interpelar-me?
- O direito a mim conferido quando me tornei o guardião deste lugar. E como tal tenho o total dever de controlar a entrada e a saída de estranhos na minha região. O que me garante que falas a verdade? Como posso crer no que me dizes se nunca o vi por aqui? Como fez para se esconder por tanto tempo?
- Vivo trancado em casa ultimamente, prefiro a calmaria do campo a essa desordem que essa cidade se tornou. Saí hoje por que quis pensar, arejar minha cabeça. Não estou aqui como concorrente, não se preocupe.
- Oui, oui. Vou acreditar em você. Mas quero que saiba que estaremos em seu encalço, saberemos cada passo que der... Au revoir. Bon Voyage. – Falou e saiu da frente para que John pudesse seguir.
Chegou em casa duas horas depois, entrou e foi direto para o quarto de Lionel.
- Precisamos conversar. Vem comigo!
Lionel o seguiu sem entender o que estava acontecendo, sabia que era algo grave por que John estava muito alterado. Entraram na biblioteca e ele trancou a porta.
- Se eu lhe pedisse um favor você faria?
- Claro Vô. Sem pensar duas vezes.
- Quero que você leve a Mary de volta para a Alemanha.
- Quê? Como assim?
- Estamos sendo vigiados. Hoje quando fui dar uma volta fui interceptado por um sanguessuga que me ameaçou para que não colocasse em risco seus negócios. Disse que vai vigiar cada passo que eu der. Entende agora por que eu preciso que você a tire daqui? Não podemos correr o risco de descobrirem-na.
- E porque você não vem conosco? Não há nada que nos prenda aqui. Essa não é mais a Londres que conhecemos, essa metrópole cheia de gente esquisita, de desabrigados, de sujeira. Esse não é mais nosso lugar vovô. Venha com a gente?
- Não posso. Tenho que encontrar alguém antes de partir. Não vou descansar enquanto não o fizer. Não será um bandidozinho de quinta que vai me impedir.
- Isso não faz mais sentido, sabe que não faz. Não temos mais ninguém que nos prenda aqui. Seja lá quem for que procura, nem imagina que existimos.
- Não importa. Eu vou ficar. – Falou decidido. – Então? Posso providenciar tudo para sua partida?
- Você só pode estar louco. Como pode insistir tanto nesse barco furado?
- Chega de discussão Lionel, já decidi. Não tem nada que me faça desistir.
- E se ela se recusar a ir sem o senhor? O que eu faço? A levarei a força?
- Não, eu a convencerei a ir. Não se preocupe. Promete que vai cuidar bem dela até eu voltar? Promete que vai defendê-la com sua própria vida se for preciso?
- Tá, eu prometo. Mas vê se não demora muito a se juntar a gente. Vamos estar te esperando.
Lionel abraçou o avô e já ia saindo quando ele o chamou.
- E o que você fez com o bebê?
- Eu? Bom... – Suspirou e fitou o chão desconfiado. – Eu o abriguei em um lugar seguro.  
- Onde?!               
- Entreguei-o a Mary-ann para que cuidasse dele até descidir aonde vou deixá-lo em segurança.
John o encarou irritado. Ainda teria que resolver mais essa por que se dependesse do neto, seria mais um que teria que abrigar. Claro que não estava reclamando de ter feito isso com a pequena Mary, mas não era saudável ter humanos por perto. E era egoísta também, pois teria que privá-los do direito de ser uma pessoa normal como todas as outras.
- Tudo bem. Eu cuidarei disso. Agora vá. Preciso ficar só. E quando Mary acordar, peça que venha me ver, preciso lhe falar.
- Ok.
Quando os primeiros raios de sol começaram a surgir, fechou as cortinas e acendeu as velas de um único candelabro. Não queria muita claridade, a luz feria seus olhos.
Pouco mais de duas horas depois, alguém bateu na porta.
- Olá papai. Mandou me chamar?
- Sim querida. Sente-se aqui. – Falou apontando a poltrona diante de si. Depois que ela se acomodou ele continuou. – Tenho algo muito sério pra lhe dizer. Mas eu queria que não me julgasse mal querida. Entenda que aconteça o que acontecer, eu nunca iria machucá-la e jamais duvide do meu amor e do amor de Lionel por você.
- Não estou entendendo papai. – Mary-ann o fitou com seus olhos azuis profundos, mas parecia tranquila o que fez John seguir em frente.
- Chegou à hora de você saber a verdade sobre a gente.
Ela se limitou a ajeitar os longos cachos dourados e se acomodou melhor na poltrona para ouvir o que ele tinha a dizer pressentindo que seria uma longa história. John estudou seus movimentos atentamente e recomeçou a falar.
- Você sempre quis saber muitas coisas de mim, mas eu sempre dei respostas evasivas. Agora chegou a hora de responder com sinceridade. Pode me perguntar o que quiser e eu responderei.
- Posso mesmo?
- Claro. O que você gostaria de saber minha querida?
- Deixe-me ver. Por que sua mãe o batizou de John?
- Só isso? Então tá. Minha mãe era devota de St. John, toda vez que acontecia alguma coisa boa, ela atribuía o feito a ele. Se papai plantava, ela pedia a St. John a benção para a colheita, se um novilho novo nascia ela o dedicava a St. John... - Enquanto falava sorria saudoso. – Eram tempos maravilhosos aqueles.
- Seu pai plantava? E sua mãe fazia o que?
- Eu sou filho de camponeses, nasci camponês, minha mãe passava o dia tecendo e fiando. Meu pai passava o dia no campo. Eu passava o dia com ele aprendendo como cuidar da terra que um dia seria minha e de minha própria família. Eu nasci em um tempo em que o grande Tâmisa era uma benção para seus filhos e não uma desgraça. A vida era fácil, não se precisava de muito para ser feliz. Casei-me com uma jovem da vizinhança chamada Catheryne, a conheci na igreja e foi amor à primeira vista. Tivemos dois filhos, Uma menina chamada Jane, um menino chamado Matthew. Só os via a noite quando chegava da lida, mas todos me recebiam com grande alegria e eu me sentia no paraíso, era um homem realizado.
“Jane crescia depressa, e ajudava Kathy em tudo, era prestativa. Matt já era mais preguiçoso, preferia ficar sob os cuidados da irmã e da mãe, relutava em me acompanhar no campo. Tentei até que o convenci a ir comigo, estava seguindo o mesmo ramo de meu pai, e sabia que esse tempo juntos só favoreceria nossa relação. Eu os amava tanto!”
Parou emocionado. Eram tantas lembranças. Não havia um só dia que não lembrasse deles, não sentisse dor e saudade.
“Matt era frágil e um dia acabou adoecendo, então fui sozinho para o campo, mas quando voltei à noite, ninguém correu para me abraçar, entrei em casa com o coração apertado, devia ter acontecido algo de muito grave para a casa estar tão silenciosa. Abri a porta e vi minha Kathy caída na sala ensanguentada e imóvel, havia sinais de luta, móveis quebrados, tudo espalhado. Corri até ela, mas já era tarde, estava morta. Ouvi um grito agudo vindo do quarto, era Jane apavorada. Quando cheguei lá, vi a criatura mais desprezível que existe avançando para ela com a boca suja de sangue. Sem medir as conseqüências, pulei em cima dele antes que chegasse perto de minha filha, lutamos por alguns segundos, mas ele era extremamente forte. Me arremessou na parede e me imobilizou, senti seus caninos cravando em meu pescoço. Ele começou a sugar meu sangue como fizera com Kathy, perdi o controle de meus movimentos, mas os gritos apavorados de Jane me chamaram a razão, e eu voltei a lutar para me soltar daquele abraço mortal. Ele a mataria também se eu não fizesse nada. Decidi que não lhe daria esse prazer. Poderia até me levar, mas Jane não. De algum modo consegui força para me livrar dele e quando o fiz, peguei uma tocha acesa da lareira e enfiei em seu olho. Ele começou a gritar feito louco com o olho derretido pela chama, aproveitei e corri para Jane. Ela estava em estado de choque encolhida a um canto, perguntei por Matt e ela apenas olhou para a cama ao lado.
Ele também estava morto. Não passava de um pequeno embrulho ensangue jogado no colchão. Nunca senti tanta dor em minha vida como naquele momento. Em um ato de insanidade, avancei em cima do ser e o lancei nas chamas da lareira. Seu corpo era inflamável e incendiou como uma estopa. Ouvimos seus gritos abraçados, sem sentir nenhum pesar por sua triste sorte. Meu pescoço sangrava e eu perdi os sentidos...
           


Continua...






2 comentários:

  1. Hmm, o negocio ta cada vez melhor. Isso explica por que ele tem um neto jane sobreviveu! Ação, emoção e misterios, muito bom. Manda mais manda! To doida pra ver como termina! ^^

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