“Um Cavaleiro Templário é verdadeiramente, um cavaleiro destemido e seguro de todos os lados, para sua alma, é protegida pela armadura da fé, assim como seu corpo está protegido pela armadura de aço. Ele é, portanto, duplamente armado e sem ter a necessidade de medos de demônios e nem de homens”.
Bernard de Clairvaux
A febre o estava consumindo, suas carnes tremiam como se um inverno rigoroso estivesse dentro si. Seus músculos se contraiam a cada onda de dor que o possuía, suava a ponto de ensopar as vestes que usava e
as imagens desconexas o atormentava.
- Não quero o fogo do inferno... Ele está me queimando...
Enquanto delirava sentiu mãos frias tocarem seu rosto, não conseguia abrir os olhos, então se absteve em sentir aquele toque tão agradável e reconfortante. Há tanto tempo longe de casa, sem uma presença amada, conhecida e aliada. A mesma mão estava agora fazendo compressa de água fria em seu rosto, estava cuidando de si, era tão agradável ser cuidado por alguém, mesmo que fosse inútil tanto zelo, estava no fim de sua jornada, a peregrinação para ele era finita, como seus sonhos, agora tão inatingíveis. Lembrava perfeitamente o dia que entrara para a ordem, jovem, idealista, visionário. Queria salvar vidas, almas, pregar a paz. Proteger a terra santa dos ímpios, se bater em combate em nome de Deus, salvar sua alma do fogo do inferno, mas sequer chegara a um corpo a corpo real, não conheceu batalhas além das encenadas no treinamento militar. Não sentiu o prazer de pisar no solo sagrado, fora deixado para trás como tantos outros em situação semelhante, a peste estava dizimando fieis, e ele seria apenas mais um, sem renome, méritos e honrarias. Não era isso que sonhara pra si, mas aceitaria com resignação a vontade divina.
A dor aumentou a ponto de fazê-lo gritar, as lembranças ficariam pra depois, começou a se contrair, foi obrigado a beber um liquido amargo e frio, fazendo arder seus lábios rachados. Sentia que seu corpo estava se rendendo, não movia mais os membros, sua respiração estava difícil, sua garganta parecia uma grande ferida, doía demasiado quando comia ou bebia algo. Mesmo assim, esperaria pacientemente seu fim, não pediria que o senhor o levasse, provaria que era um bom fiel, não um blasfemo.
Finalmente adormeceu. Não sabia quanto tempo dormira, afinal o tempo já não fazia sentido mesmo, só sabia que acordou bem melhor, era noite, o céu estava estrelado e divinamente belo, podia abrir os olhos sem sofrer com a luz, era gratificante ainda poder ter esse pequeno prazer, uma jovem veio em seu auxilio visivelmente animada.
- Que bom que estas melhor, posso ver em seu rosto essa incrível melhora.
Ela tinha uma voz doce e melodiosa, feições agradáveis e acolhedora. Tocou em sua testa pra sentir a temperatura, suspirando aliviada.
- Sem febre. Isso não é ótimo? Vou pegar um caldo para o senhor beber, deve estar faminto.
- Não posso beber, é torturante engolir alguma coisa. – Sua voz estava fraca e rouca, a garganta doía quando falava, mas precisava falar, não aguentava mais aquele silêncio, aquela solidão, estava só há tantos dias. – Eu só queria conversar, saber das novidades.
- Não senhor. Precisa comer, poupar suas energias para o período de convalescença.
- Não vou chegar a isso, meu fim já chegou.
- Como não, se estas tão bem depois de estar as portas do paraíso?
- Não precisa tentar me agradar, eu sei que não me restam esperanças. Está terminada minha jornada.
- Pois, eu lhe digo que não, estou lhe cuidando há dias e dias, depois de tudo que viveu, é visível sua melhora, o que não falta é esperança.
- Por que estas cuidando de mim se sou um caso perdido, como todos os outros que estão ou estiveram aqui nesse acampamento?
- Por que estas vivo, e enquanto há vida, há esperança. E também por que sei que es forte, jovem, não se rendera tão facilmente.
- E se eu morrer? Não terás trabalhado tanto em vão? Estas perdendo sua juventude num lugar como esse. Correndo o risco de juntar-se a nós nesse infortúnio.
- Nada acontece por acaso, se eu adoecer e não resistir terá sido à vontade do senhor nosso Deus. Mesmo assim não vou me arrepender de nada que fiz e ainda faço, estou estendendo a mão a quem precisa, e acredite, isso é muito gratificante.
A jovem finalizou a conversa e foi ver outro paciente, estava contente por saber que sua dedicação estava salvando vidas.
Tiago a viu sumir na escuridão da noite comovido. Queria ter um mínimo da fé dela, talvez dessa forma Deus teria permitido que terminasse sua peregrinação, ganhado honras e méritos verdadeiramente merecidos. Tocou na cruz vermelha bordada em sua roupa velha, suja e puída, e não pode deixar de pensar: Eis aonde chegastes cavaleiro templário. Eis a tua Honra ao mérito.
Oi Yane, gostei texto, especialmente do fim "Eis a tua honra ao mérito". Esperava encontrar um pouco de mais ação, mas como o titulo diz é o fim do cavaleiro né. Mas gostei bastante do que o conto passou.
ResponderExcluirParabéns
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