... A rainha recebeu a noticia em
regozijo, mandou cozinhar o coração para comer no jantar e depois ordenou que
prendessem o caçador por ter matado acidentalmente a filha do rei. O reino
chorou a morte da jovem, mas logo todos se conformaram, daria na mesma ela viva
ou morta.
Branca acordou dentro de uma
espécie de caverna mobiliada como um quarto e olhou em volta tentando entender
o que estava acontecendo, a cabeça doía e sua visão estava embaçada. Passou a
mão pela cabeça e sentiu uma elevação do tamanho de um limão na têmpora
direita, a dor só aumentou com o toque. Uma criança enrugada a observava da
porta entreaberta o que a deixou assustada, encobriu-se nos lençóis e esperou o
que quer que fosse. A criança sumiu e depois voltou com vários outros do mesmo
jeito que ele. Uma voz grave a chamou e ela reapareceu por detrás das cobertas
curiosa por saber quem a chamava. Para sua surpresa, havia vários homens
pequeninos como criança olhando-a e interrogando-a como gente grande. Depois de
responder a todas elas, sabatinou-os com mil questionamentos sobre quem eram, o
que faziam e o que queriam com ela.
Foi com alivio que percebeu que
os homenzinhos, ou melhor, anõezinhos eram amigos e estavam dispostos a
ajudá-la, quando recebeu o convite para ficar morando com eles na caverna, não
pensou duas vezes, aceitou de imediato. Os anões eram mineradores e trabalhavam
nos subterrâneos da floresta negra onde se podia extrair o melhor minério que
existia, então aproveitaram e fizeram as fendas das rochas de casa como ela
mesma pode perceber, ou melhor, aonde ela mesma veio a se bater. Quando a dor
de cabeça aliviou, levantou-se da cama e se pôs a faxina as casas de aranha e o
pó dos móveis. Os anões não eram nada higiênicos e ela não gostava de sujeira.
Depois da faxina, pegou uma tina e encheu de água até em cima, colocou alfazema
para perfumar a água e quem fosse usá-la.
Quando eles chegaram à noite,
nem tiveram tempo de se admirar com a arrumação que ela fizera, pois Branca os
obrigou a entrar na tina de água um por um para que tirassem a sujeira do corpo
e se botasse mais apresentáveis, Já que moraria com eles, os colocaria na
linha. Os anões haviam feito um belo trabalho com a caverna, lembrava em tudo
uma casa de verdade, e depois de limpa, ficou até agradável de morar, o único
defeito era gostarem tanto de animais domésticos, a caverna vivia cheia de
galinhas e patos entrando e saindo, mas ela os expulsava a vassouradas toda vez
que ousavam, as benditas criaturas faziam uma tremenda bagunça. O anão mais
novo cansado de ver a briga diária dela com seus bichinhos resolveram construir
uma espécie de curralzinho só para eles, prendia de dia e soltava de noite.
Fora isso, viviam em perfeita harmonia, não havia um só dia em que não
trouxessem uma lembrança e ela já acordava sabendo que encontraria um presente
a sua espera na entrada da caverna, até fazenda conseguiam. Como? Ela não
sabia, mas eram belíssimas e serviam de distração para sua solidão diária,
cosia e bordava vestidos para ela e batas para eles com prazer. Um mês depois
já estava cansada de ficar trancada o dia todo, estava acostumada a caçar,
andar pela floresta em busca de lenha e frutas comestíveis, enquanto ali quando
terminavam os afazeres de casa ficava sem ter o que fazer pelo resto do dia.
Sentia vontade de ir até a cidade saber as novidades, mas não fazia ideia para
que lado ficava, tinha medo de se perder pela floresta negra e reencontrar os demônios
que a levaram até ali. Só em lembrar sentia arrepios. Por outro lado, ficar
presa naquela caverna estava matando-a. Os amigos usavam argumentos
assustadores para impedi-la de ir embora, haviam criaturas amaldiçoadas na
floresta que poderiam acabar com sua vida em um piscar de olhos. Contudo, não
estava ali como prisioneira, eles não tinham o direito de proibi-la de fazer
nada. Decidiu arriscar, pegou a capa de chuva preta feita com couro impermeável
que eles te deram de presente a três dias atrás e abriu a porta esperando ver a
luz do dia, para sua tristeza a escuridão lá fora era pior que dentro da
caverna, precisava que seus olhos se acostumassem com a falta de luz para poder
sair, deveria haver alguma trilha por onde os amigos andavam todos os dias, só
precisaria seguir por ela para ver onde chegaria. Enquanto andava atenta em
meio aos galhos e folhas, mantinha sua audição aguçada na esperança de ouvir o
perigo antes que alguma criatura pudesse ataca-la. Levava consigo uma faca
afiada, mas desejava ter trazido uma picareta afiada e pesada capaz de abater
uma fera com um só golpe. Não adiantava lastimar, era uma caçadora, não tinha
nada que temer, papai Belsey havia ensinado como se virar na floresta, em um mês
não poderia ter esquecido tudo que sabia. Ao lembrar do pai lenhador sentia uma
saudade sem fim, imaginou o quanto ele e mamãe Merge deveriam ter sofrido com a
notícia de sua morte, eram velhos já, não suportariam mais desgostos como esse.
Se pudesse vê-los mesmo de longe, mesmo que não pudesse consolá-los e nem
abraça-los, só ver de longe mesmo.
Depois de horas andando
percebeu que não iria chegar à cidade, estava perdida em meio a mata cerrada, o
melhor a fazer era voltar para casa por onde viera. Voltou com o coração
aliviado ao perceber que reconhecia a trilha por onde viera, apesar de cansada,
não tinha medo de ficar perdida ali para sempre. Depois de alguns minutos,
pensou ter ouvido um movimento leve nas folhagens, olhou em volta e só viu o
escuro que seus olhos já estavam a habituados a divisar. Sentiu que tinha alguém
observando-a, más, por mais que procurasse em volta, não conseguia ver ou ouvir
nada além de sua própria respiração. Sentiu um arrepio percorrer sua espinha,
tentou seguir em frente sem entrar em pânico, logo estaria em casa outra vez
rindo sua covardia. Andou por mais uma hora sem que a sensação de que estava
sendo observada a deixasse, se havia aguem observando-a, certamente a estava
seguindo. Poderia colocar sua casa em risco, seus amigos poderiam ser atacados
e tudo por sua causa, decidiu não dar mais um passo até descobrir quem era e o
que queria com ela. Falou baixinho com medo de quebrar a quietude ou atrair
feras famintas.
- Quem é você que me segue? O
que quer de mim?
O som saiu quase inaudível, mas
ela achou que havia falado alto demais e aguardou amedrontada o ataque da
criatura desconhecida, no entanto, nada se moveu. Quem ou o que a estivesse
seguindo, deveria ser bastante ameaçador para permitir que passeasse pela
floresta como ela estava fazendo sem ser atacada ao primeiro passo após a
porta. Deveria ter estranhado aquele silêncio desde o início, mas fora
inconsequente a ponto de achar que o que tivera, era sorte. Olhou em volta sem
saber o que fazer, se estivesse atraindo o inimigo para a caverna, seria uma tragédia.
Tentou recobrar a tranquilidade e pensar com clareza, talvez fosse um amigo que
a seguia e não um inimigo. Pensar nisso fez o medo sumir, seu coração
desacelerar e as pernas pararem de tremer, se estava sendo protegida não tinha
porque se apavorar, chegaria em casa em paz. Continuou a caminhar por mais uma
hora até que avistou o curralzinho que ficavam os patos e correu para casa com
o coração saltando no peito, não acreditava que havia voltado ilesa. Ao se
aproximar da porta, olhou pra trás e gelou ao ver em meio as árvores no galho
mais alto, dois olhos vermelhos sangrentos encarando-a.