terça-feira, 14 de setembro de 2010

Jazigo Perpétuo

                    
 Alye estava deitada na cama em seu quarto escuro fazendo hora até chegar o momento de encontrar com seus amigos no local combinado para tomar um drink, só eles entendiam as coisas que se passava em sua alma, coisas que o mundo fazia questão de ignorar. O mundo era tão cruel, aprendera isso muito cedo, exatamente quando perdera sua irmã tão querida, sentira uma dor imensa, no entanto, as pessoas sequer lembraram que pudesse estar sofrendo, era apenas uma criança, eles tinham mais com que se preocupar como suas próprias dores, por exemplo. Não ficara um só dia em que não lembrasse daquele bebê outrora rosado e risonho e não sofresse como se fosse ontem aquela perda, agora amava a morte como um mistério a ser desvendado, amava a ideia de morrer, mas não se mataria, não era desse tipo de morte que gostava. Amava o sacrifício que ela representava, a beleza que ela trazia consigo, amava velórios e o vermelho renegado pelo luto. Nunca vira a mãe tão bela quanto na época de dor, havia algo de poético em tanto sofrimento, a pele marcada pelas lágrimas, as roupas negras e a melancolia. Mas tudo passara e ela seguira em frente. Não era como Alye, que adotara a dor como projeto de vida, não por exibicionismo, mas por puro bem estar. Amava se olhar no espelho e se ver pálida como o bebê naquele caixão, contrastando com seu batom sangrento, suas vestes e unhas negras, sua maquiagem carregada de sentimentos, seus cabelos vermelhos e lúgubres, sua beleza anormal. Amava o amor em si, amava seus amigos e não tinha vergonha de se expressar diante das pessoas. E apesar de causar tanta estranheza nas pessoas com as quais infelizmente era obrigada a conviver, se considerava completamente normal. Só mais corajosa por não ter vergonha de se revelar para todos que se escondia do mundo por puro comodismo.
Ela levantou impaciente e olhou pro relógio, não via a hora de saltar daquela janela para respirar ar puro, adorar a lua, sentir a frieza das paredes e muros, abraçar os amigos e se divertir. Só tinha uma coisa da qual se arrependia de não ter feito, não ter abraçado sua irmã quando podia. Lembrava-se nitidamente daquele momento quando a vira dormindo roxinha e marmórea no seu berço perpétuo, lembrava da vontade que sentira de sentir a frieza que aquele corpinho emanava, a rigidez de seus músculos e a doçura de sua pele pálida e bela. Mas não o fizera e agora se torturava por ter se privado daquele ultimo prazer. Ela foi levada para sempre de sua companhia. Lembrava das inúmeras vezes que fingira estar morta, só para ouvir os gritos e lágrimas de desespero de sua mãe, mas tudo que queria naquela época era mostrar para os pais que continuavam vivos apesar de seu bebê ter partido. Hoje não havia mais esses caprichos, apenas o compromisso consigo mesma de ser feliz apesar de tudo. Apesar do mundo ser cinza, da felicidade ser negra como a noite e fria como um jazigo perpétuo.


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