domingo, 12 de agosto de 2012

Branca como a neve




Era uma vez um rei que vivia muito feliz e uma rainha que só não era tão feliz porque sentia de vez em quando uma tristeza profunda por ainda não ter tido um filho para alegrar ainda mais os seus dias. Tinha noites em que olhava através da janela de ébano a neve branca cair lá fora e sentia muita solidão, então ela pensava em o quão feliz seria se tivesse a graça de ter uma filha bela como à neve, com cabelos negros como o ébano e lábios vermelhos e veludosos como a pétala de uma rosa. Viveu nesse sofrimento por quinze anos e eis que quando menos esperou, concebeu seu fruto tão desejado.
Deu a luz a uma menina branca como a neve de lábios rosados e cabelos negros a quem batizou de Branca de Neve, entretanto desfrutou dessa benção por apenas um dia. A rainha pereceu para a tristeza do rei que ficara tão órfão quanto à filha. O luto durou sete anos, e sete anos Branca viveu sem uma mãe ou um pai para guiar seus atos, cresceu livre como um pássaro e selvagem como um lobo, o que aprendeu foi graças aos criados a quem atazanava dia após dia, um a um. Foi criada como filha pela cozinheira e por seu marido o lenhador real com quem passava os dias a cortar lenha na floresta.
Era curiosa e rebelde, o que cedo ou tarde chamaria a atenção do pai que diante de sua dor vivera cego a tudo mais que se passava. Foram os convivas do castelo, nobres e encostados que lhe chamaram a atenção para isso, a princesa precisava ser corrigida enquanto era cedo, ou o reino seria perdido para sempre nas mãos da criatura. Diante da pressão para que se casasse e desse uma mãe decente a filha, o rei desposou uma prima distante confiando no fato de que correriam menos riscos se ficasse tudo em família.
O rei morreu uma semana depois, segundo o primeiro ministro, de tanta tristeza. Branca sequer chorou sua morte, para ela, o rei não passava de um estranho, assim como a madrasta. Pouco depois do enterro se enfiou nas dependências dos empregados para ser esquecida por longos dez anos. E teria continuado no esquecimento se não fosse à cobiça da nobreza pela sucessão, já que Branca estava em idade de se casar, e o reino precisava de um sucessor legitimo. Quando questionada, a rainha não teve outra saída a não ser mandar buscar a herdeira na floresta onde passava os dias com o lenhador. A esperança dela era que a selvageria da princesa botasse para correr todos os pretendentes, mas para sua surpresa, Branca tinha uma beleza invejável mesmo disfarçada de plebéia. Sentiu tanta inveja daquela jovem sortuda que não se conformou enquanto não concebeu um plano para acabar com a concorrência.
Mandou chamar o caçador real e lhe ordenou que matasse a princesa no dia seguinte quando ela estivesse distraída com o lenhador. Apesar de gostar muito da jovem, não teve escolha, era a sua vida ou a dela. Muniu-se de coragem e foi à caça no dia seguinte, não demorou a encontrar seu rastro, estava colhendo lenha sozinha, a ocasião não poderia ser melhor, empunhou o arco, armou a flecha e mirou bem no coração, mas enquanto esperava uma boa ocasião para desferir a flecha, suas mãos fraquejaram, a princesa era bela demais para morrer, doía tanto desperdício. Hesitou uma, duas vezes e acabou desistindo, se dispôs a voltar e encarar as consequências, mas antes que pudesse partir, Branca o viu e o atacou com um tronco de madeira levando-o ao desmaio. Ao acordar, se viu amarrado em uma árvore sob a mira de sua própria flecha, o sangue que escorrera do ferimento estava seco em seu rosto e a cabeça doía muito. Piscou varias vezes até conseguir divisar o contorno de seu algoz e a surpresa ao reconhecê-la foi tamanha que o levou a gargalhada.
- Se não calar a boca, te espeto bem no coração!
O caçador parou de rir imediatamente e a encarou, era linda, mas era o diabo de bruta, parecia mais filha do lenhador do que do rei. Ela o fez confessar tudo que a rainha planejara contra ela e depois o libertou, mas com pena de saber que seria condenado a morte por ter falhado, matou um porco do mato e lhe entregou o coração para que provasse a rainha que cumprira a missão. Só depois de libertá-lo e deixá-lo partir é que percebeu que estava encrencada, se fora dada como morta, não mais poderia aparecer no castelo, então precisava encontrar outro lugar para morar. Caminhou sem rumo por dias e noites até que se viu as margens da floresta proibida, se entrasse nela, poderia esperar de tudo, até sua sentença de morte cumprida. Contudo, era tarde demais para voltar atrás, então, tremendo de medo, entrou na escuridão em plena luz do dia, andou as cegas, aflita por não poder divisar nada em seu caminho, mas por uma espécie de milagre, sua audição estava mais aguçada, ouvia até o rastejar das minhocas na terra fofa o que ainda a manteve equilibrada. Após mais de três horas de caminhada, ouviu um uivo que arrepiou seu corpo dos pés a cabeça, olhou em volta e não viu nada, apenas a escuridão. Continuou trêmula até ouvir outra vez o uivo ainda mais perto, aumentou os passos e apurou os ouvidos, sentiu que algo a seguiu, podia ouvir a respiração da criatura logo atrás de si, os passos estavam cada vez mais próximos, sem pensar duas vezes, correu o mais rápido que pode sendo açoitada pelas árvores e tropeçando nos galhos úmidos do chão, apesar disso o bicho saltou por cima dela e parou em sua frente com olhos vermelhos como fogo encarando-a e mostrando os dentes ferozes, era um enorme lobo e parecia faminto. Encolheu-se fechando os olhos, com o coração saltando pela garganta e esperou o bote que não veio, abriu os olhos e viu o animal recuar amedrontado, atrás de si havia outra criatura que não lembrava nada que tivesse visto ou ouvido antes, lembrava os homens da aldeia, mas tinha presas e olhos vermelhos como o do lobo. O homem encarava o lobo que recuava devagar, Branca não quis esperar para ver no que ia dar aquele encontro e correu como louca o mais rápido que pode em direção oposta a deles. Porém, não conseguiu ir muito longe, trombou de frente com uma rocha que não viu por causa do escuro e caiu desacordada.

sábado, 4 de agosto de 2012

O Retorno ao Campo (Fragmento do capitulo do romance "Ulisses")


... Luiza estava ajeitando os laços da roupa em frente ao espelho quando Netinho entrou no quarto e começou a puxá-la apressado e agitado demais para dizer qualquer coisa, resmungando apenas um “vem ver” quando era interrogado, guiou-a para a cozinha do casarão dos bisavós e mostrou um cesto com filhotes de cães sem raça definida, graciosos e peludos. Ele estava encantado com os filhotinhos, nunca vira um antes, os olhos brilhavam de expectativa.
Ela lembrou-se do dia em que Ulisses e Penélope chegaram da mesma forma naquele mesmo ambiente, era como se a historia estivesse se repetindo. Ela e Rosa quiseram tanto os felinos, a ponto de implorar para ficar com eles, no fim acabaram conseguindo, mas com o filho seria diferente, por mais que ele chorasse e implorasse, jamais poderia ficar com o cãozinho. Tivera que abrir mão do gato pelo bem dele, não colocaria outro em seu lugar.
Netinho chorou e implorou, mas a mãe estava irredutível. Ele não entendia que o pêlo do animal representava um perigo para sua saúde, e por mais que a mãe argumentasse, ele tinha um contra argumento convincente. Os pais e os avós também argumentaram a favor do pequeno, mas ela foi obrigada a desobedecê-los dessa vez, há exatamente três anos foi induzida a doar Ulisses pelo bem dele e era pelo bem dele que estava recusando o filhote agora. Netinho tinha saúde frágil e exigia muitos cuidados, viajara pela primeira vez para o campo com milhares de recomendações do médico e cada soluço deixava-os alerta.
O pequeno foi às lágrimas de fato diante da negativa, aconchegou-se no corpo da mãe e soluçou aos prantos deixando Luiza constrangida. “Porque você puxou ao seu pai, tão suscetível meu bem? Antes tivesse saído a mim, forte e com brios.” Ele não entendeu as palavras da mãe e apenas soluçou: “Eu o quero mamãe, queria meu amiguinho pra mim...
Diante do sofrimento real do pequeno, Aurélia pediu à filha que permitisse ao menino ficar como dono do pequeno mesmo não podendo levá-lo com ele aonde fosse, o animal seria criado na casa grande e ele só o veria nas férias quando fossem lá. Netinho aprovou a ideia, só queria ser o dono e poder dizer que tinha um amiguinho só seu. Luiza finalmente cedeu e permitiu que o filho ficasse com o bichinho levando-o do pranto ao riso. Ele era muito belo rindo, tinha as feições de Rosa, os cabelos negros e escorridos como os dela, o sorriso meigo e os olhos amendoados, talvez esse fosse o maior motivo de amá-lo tanto. Otávio só era lembrado no temperamento e na fragilidade, não que ela não amasse o marido, só não tolerava a falta de atitude dele, se fosse mais dono dos próprios atos talvez tivesse mais valor diante de seus olhos...