Aproveitou
que os pais estavam na cozinha e foi até a varanda olhar o horizonte. Estava
triste como sempre, a tristeza era sua companheira habitual. Não entendia como
as pessoas podiam superar suas dores aparentemente tão facilmente. Sabia de
histórias incríveis de superação de pessoas que tinham enfrentado verdadeiras
tempestades em suas vidas e tinham seguido adiante apesar de tudo. Porque então
não acontecia a mesma coisa com ela? Porque não superava suas dores? Porque
sentia que a vida não foi feita para ela? Sentia dores e angustias que ninguém
compreendia, todos achavam que ela não tinha motivos para se sentir triste e
incompreendida. Trazia segredos que jamais seriam revelados, nunca falaria
deles para ninguém, nunca escreveria sobre eles em cartas e diários, não
admitiria para si mesma que era uma vítima da maldade humana, de uma mente
doente e perversa. Nunca entenderia porque tinha acontecido tantas coisas com
ela que a maioria das pessoas nem sonhavam em viver. Estava tão cansada de
viver! Estava tão cansada de seguir vivendo mesmo quando seu corpo pedia uma
trégua. Não sonhava em se tornar adulta e nem tão pouco em chegar a
adolescência. Se estava tão difícil hoje que era criança, imagine quando
crescesse.
Ali
naquela varanda gelada olhando para baixo sentiu uma vontade inédita de saltar
e voar como pássaro, a vontade só não era maior que o medo, sentia tanto medo
que seu corpo tremia. Olhou para a porta por onde viera e não ouviu som algum,
estava sozinha, havia apenas a solidão, sua velha e boa companheira. Se
quisesse mesmo saltar para a liberdade, a hora era agora. Uma corrente de ar
percorreu sua espinha, estava com mais medo que nunca, mas era preciso
aproveitar a oportunidade. Subiu nas grades e colocou as pernas para fora, o
vento bateu em cheio em suas pernas nuas e uma das sapatilhas acabou caindo.
Ela não alçou voou, mas era apenas um objeto sem vida, era de se esperar. Ouviu
sons vindo pela sala e decidiu que devia tentar com medo mesmo, imaginou seu
corpo leve flutuando pelo ar e sorriu feliz. Abriu os braços e pendeu o corpo
no vazio, a queda foi rápida, quase não teve tempo de pensar, mas ainda
conseguiu formular uma frase de lamento antes de se chocar com o cimento e ter
seus ossos e órgãos espatifados. Seu último pensamento foi: Não precisava ser
tão rápido! Que pena! Mas era apenas um objeto sem vida... era de se esperar.
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