quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Amor Sertanejo


- Não me dê motivo pra ir embora Madá. Você ainda vai me perder, olha o que to dizendo.
- Agora eu sou a culpada, você que me desrespeita e eu é que to dando motivo pra você me deixar? Essa é boa.
            Gustavo ficou furioso com o tom de ironia da esposa, ela estava passando dos limites. Levantou do sofá e saiu pela porta da rua.
- Aonde cê vai?
- Vou anuviar as idéias, me deixe.
            Não esperou ouvir o que ela tivesse pra dizer, saiu a passos largos, sem destino, no caminho decidiria pra onde ir. Quase sem perceber rumou para a casa da mãe que ficava a poucos metros de distancia da dele. Em pleno domingo Madalena resolvera comer seu juízo como se não tivesse nada mais interessante pra fazer. Chegou na casa da mãe, cumprimentou a todos e se apoiou no umbral da porta agastado.
- Que milagre é esse fio? Cadê Madá? Num veio com cê?
- Num me fale nela mãe que já to pelas tampas com aquela encrenqueira duma figa.
- Brigaram mais uma vez fio? Num cansam não?
- Canso mãe, canso. Já falei pra ela que uma hora a casa cai, num agüento mais. Gasto meus dias na lida sem descanso, sou home de família, num sou muleque pra ela viver arrumando amante pra mim em cada esquina que chego. Num dô motivo pra disconfiança, quando ela me conheceu, sabia da minha mania de tomar uma cervejinha aos sábados no bar do Tunico, num tenho outra diversão a não ser essa. Agora deu pra pegar no meu pé... hunf... to arreliado viu mãe, isso me aperreia. Me seguro pra não fazer uma besteira horas dessa.
- Tenha paciença fio, ela ta esperando minino, isso muda os procedimentos da mulher, faz ver chifre em cabeça de cavalo. Ela é muito nova, premera gravidez, ta insigura. Barriga muda à cabeça da mulher como cê nem imagina.
- Isso né disculpa não mãe, eu num engulo essa. Ela ta é me dando motivo pra sair de casa pra nunca mais vortá. Devia agradecer por eu ser fiel, amar ela como amo, trabalho, num sô vagabundo, quando o tempo deixa tem até fartura em casa. Quer o que mais me diz?
- Cê ta de cabeça quente, areie as idéias um pouco, num volte lá agora não, espere as idéias se acentarem, depois ceis conversam com calma, arresorve as coisas direitinho. Num aja com precipitação não, senão vai se arrepender depois e arrependimento mata.
- Ta certo, vou dar uma vorta perai, depois vejo o que fazer. Sua benção.
 - Que Deus lhe abençoe. Vá com Deus.
            Saiu deixando a mãe preocupada, mas não podia ficar, precisava pensar bem no ocorrido e tomar uma decisão, do jeito que tava não podia ficar. Andou pela estrada de terra sem apreciar a paisagem em volta, não se importava com a vegetação seca, as arvores desfolhadas, a terra rachada, o sol escaldante e o céu esplendorosamente azul. Estava com o coração cheio de mágoa. Se tinha duas coisas em que acreditava nessa vida era, na fé em Deus e na honra de um homem. Madalena jamais poderia dizer que não era temente e honrado, tinha seu orgulho e ela o feria constantemente.
Como ficaria diante dos vizinhos e amigos a sua reputação, se sua mulher só vivia manchando-a. Não podia permitir essa injustiça. Amava aquela mulher, amava como nunca tinha amado ninguém, mas como continuar vivendo assim? Por outro lado, como viver sem ela? Sem seu sorriso, seu toque suave, sua risada que mais parecia moda de viola, sua força de vontade?
            Ela trabalhava na cooperativa do povoado, fazia doce de compota, sabonete, produtos de beleza, artesanato, rendava... Nunca vira mulher mais esforçada, mais prendada. Ninguém diria que era tão novinha. Era muito bela também, tinha cabelos de índia, pele bronzeada, olhos expressivos, voz macia, cantava feito sereia.
            Quando chegou na cidade nem viu que já era de noite, não reparou no tempo até se dar conta que viera parar no bar do amigo. Madalena devia ta preocupada, mas não ia se agastar, ela tinha que ter uma lição pra parar de ser imatura.
             Se deixou ficar por mais algumas horas, gostava de ir lá, ouvir moda de viola, ver os amigos, saber das novidades. Desde que nascera vivia ali no sertão, não conhecia outra vida, não estudara, mal sabia ler e contar, mais por falta de oportunidade do que de vontade mesmo, na roça se cresce cedo, toma responsabilidades cedo também, a aprendizagem é outra. Na escola da vida aprendera que nada vem de mão beijada, que não devemos reclamar do que a vida oferta, a água que abençoa também mata, a seca que destrói também trás alternativas, e que Deus dá, mas também tira.
            Quando pensou em Deus lhe veio à mente a esposa, a mãe falara uma vez que ela não tinha uma boa gravidez, que mulher que incha desde cedo quando ta de barriga, não era coisa boa. Um frio gélido percorreu sua espinha até a nuca, não queria nem pensar na possibilidade de perder Madá. Não poderia viver sem ela. Lembrava como se fosse hoje o dia que a conhecera naquele mesmo recinto dançando xote toda faceira, encantando a todo mundo com sua graciosidade. Ela era tão perfeita, o que mudara então? Precisava voltar pra casa, conversar, colocar as coisas nos eixos, não podia deixar que uma briguinha de nada transformasse sua vida numa caatinga. Não podia deixar a secura habitar entre os dois.
            Quando entrou em casa a encontrou deitada na cama acordada. Quando ela o encarou estava de olhos vermelhos de tanto que chorara. Gustavo sentiu medo de sua reação, mas ficou surpreso quando ela pulou em seus braços e beijou seu pescoço emocionada.
- Perdão Guto, perdão. Prometo que não vou mais fazer isso. Eu vou mudar, não quero que você me deixe por causa de meu ciúme doentio. – Ela soluçava enquanto falava agarrada ao pescoço dele.
- Eu gosto tanto de você neguinha. Num me magoe mais não. Vamos tentar viver em paz, sem desconfiança sem razão.
- Eu tive tanto medo que você num voltasse mais pra mim.
- Como eu podia te deixar Madá, você é minha razão de viver. Num saberia ficar longe de cês duas. Não ver Mariana nascer, não ta com você nesse momento. Não podia ir embora, não agora. Temos tanto pra viver ainda, vamo ser muito feliz nessa vida.


4 comentários:

  1. Bom uso da coloquialismo e cheio de sentimento! Gostei muito.

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  2. Nossa, adorei o dialogo, a forma como vc desenha bem o ambiente junto com os sentimentos do protagonista, da p sentir a 'alma' do sertão nas suas palavras, parabéns!

    bjos

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