Era uma vez um rei que vivia
muito feliz e uma rainha que só não era tão feliz porque sentia de vez em
quando uma tristeza profunda por ainda não ter tido um filho para alegrar ainda
mais os seus dias. Tinha noites em que olhava através da janela de ébano a neve
branca cair lá fora e sentia muita solidão, então ela pensava em o
quão feliz seria se tivesse a graça de ter uma filha bela como à neve, com
cabelos negros como o ébano e lábios vermelhos e veludosos como a pétala de uma
rosa. Viveu nesse sofrimento por quinze anos e eis que quando menos esperou,
concebeu seu fruto tão desejado.
Deu a luz a uma menina branca
como a neve de lábios rosados e cabelos negros a quem batizou de Branca de Neve,
entretanto desfrutou dessa benção por apenas um dia. A rainha pereceu para a
tristeza do rei que ficara tão órfão quanto à filha. O luto durou sete anos, e
sete anos Branca viveu sem uma mãe ou um pai para guiar seus atos, cresceu
livre como um pássaro e selvagem como um lobo, o que aprendeu foi graças aos
criados a quem atazanava dia após dia, um a um. Foi criada como filha pela cozinheira
e por seu marido o lenhador real com quem passava os dias a cortar
lenha na floresta.
Era curiosa e rebelde, o que
cedo ou tarde chamaria a atenção do pai que diante de sua dor vivera cego a
tudo mais que se passava. Foram os convivas do castelo, nobres e encostados que
lhe chamaram a atenção para isso, a princesa precisava ser corrigida enquanto
era cedo, ou o reino seria perdido para sempre nas mãos da criatura. Diante da
pressão para que se casasse e desse uma mãe decente a filha, o rei desposou uma
prima distante confiando no fato de que correriam menos riscos se ficasse tudo
em família.
O rei morreu uma semana depois,
segundo o primeiro ministro, de tanta tristeza. Branca sequer chorou sua morte,
para ela, o rei não passava de um estranho, assim como a madrasta. Pouco depois
do enterro se enfiou nas dependências dos empregados para ser esquecida por
longos dez anos. E teria continuado no esquecimento se não fosse à cobiça da
nobreza pela sucessão, já que Branca estava em idade de se casar, e o reino
precisava de um sucessor legitimo. Quando questionada, a rainha não teve outra
saída a não ser mandar buscar a herdeira na floresta onde passava os dias com o
lenhador. A esperança dela era que a selvageria da princesa botasse para correr
todos os pretendentes, mas para sua surpresa, Branca tinha uma beleza invejável
mesmo disfarçada de plebéia. Sentiu tanta inveja daquela jovem sortuda que não
se conformou enquanto não concebeu um plano para acabar com a concorrência.
Mandou chamar o caçador real e
lhe ordenou que matasse a princesa no dia seguinte quando ela estivesse distraída
com o lenhador. Apesar de gostar muito da jovem, não teve escolha, era a sua
vida ou a dela. Muniu-se de coragem e foi à caça no dia seguinte, não demorou a
encontrar seu rastro, estava colhendo lenha sozinha, a ocasião não poderia ser
melhor, empunhou o arco, armou a flecha e mirou bem no coração, mas enquanto esperava
uma boa ocasião para desferir a flecha, suas mãos fraquejaram, a princesa era
bela demais para morrer, doía tanto desperdício. Hesitou uma, duas vezes e
acabou desistindo, se dispôs a voltar e encarar as consequências, mas antes que
pudesse partir, Branca o viu e o atacou com um tronco de madeira levando-o ao
desmaio. Ao acordar, se viu amarrado em uma árvore sob a mira de sua própria
flecha, o sangue que escorrera do ferimento estava seco em seu rosto e a cabeça
doía muito. Piscou varias vezes até conseguir divisar o contorno de seu algoz e
a surpresa ao reconhecê-la foi tamanha que o levou a gargalhada.
- Se não calar a boca, te
espeto bem no coração!
O caçador parou de rir
imediatamente e a encarou, era linda, mas era o diabo de bruta, parecia mais
filha do lenhador do que do rei. Ela o fez confessar tudo que a rainha
planejara contra ela e depois o libertou, mas com pena de saber que seria
condenado a morte por ter falhado, matou um porco do mato e lhe entregou o
coração para que provasse a rainha que cumprira a missão. Só depois de
libertá-lo e deixá-lo partir é que percebeu que estava encrencada, se fora dada
como morta, não mais poderia aparecer no castelo, então precisava encontrar
outro lugar para morar. Caminhou sem rumo por dias e noites até que se viu as
margens da floresta proibida, se entrasse nela, poderia esperar de tudo, até
sua sentença de morte cumprida. Contudo, era tarde demais para
voltar atrás, então, tremendo de medo, entrou na escuridão em plena luz do dia,
andou as cegas, aflita por não poder divisar nada em seu caminho, mas por uma
espécie de milagre, sua audição estava mais aguçada, ouvia até o rastejar das
minhocas na terra fofa o que ainda a manteve equilibrada. Após mais de três
horas de caminhada, ouviu um uivo que arrepiou seu corpo dos pés a cabeça,
olhou em volta e não viu nada, apenas a escuridão. Continuou trêmula até ouvir
outra vez o uivo ainda mais perto, aumentou os passos e apurou os ouvidos,
sentiu que algo a seguiu, podia ouvir a respiração da criatura logo atrás de
si, os passos estavam cada vez mais próximos, sem pensar duas vezes, correu o
mais rápido que pode sendo açoitada pelas árvores e tropeçando nos galhos
úmidos do chão, apesar disso o bicho saltou por cima dela e parou em sua frente com
olhos vermelhos como fogo encarando-a e mostrando os dentes ferozes, era um
enorme lobo e parecia faminto. Encolheu-se fechando os olhos, com o coração
saltando pela garganta e esperou o bote que não veio, abriu os olhos e viu o
animal recuar amedrontado, atrás de si havia outra criatura que não lembrava
nada que tivesse visto ou ouvido antes, lembrava os homens da aldeia, mas
tinha presas e olhos vermelhos como o do lobo. O homem encarava o lobo que
recuava devagar, Branca não quis esperar para ver no que ia dar aquele encontro
e correu como louca o mais rápido que pode em direção oposta a deles. Porém,
não conseguiu ir muito longe, trombou de frente com uma rocha que não viu por
causa do escuro e caiu desacordada.